O quadro de loja de Companheiro no REAA – história e simbólica (Parte 2/3)

Assim, o número de degraus fixa-se em cinco e, as três Romãs que encimavam os capiteis das Colunas são substituídas pela Esfera Terrestre, que coroa a Coluna B e, pela Esfera Celeste, que se sobrepõe à Coluna J.

Esta alteração decorre de uma revisão dos primeiros Rituais Escoceses, realizada na década de vinte, tendo o Supremo Conselho de França publicado uma nova versão dos mesmos, em 1829, sob o título de “Anciens Cahiers 5829”.

Nesta nova publicação, foram introduzidas profundas alterações no Ritual de Companheiro, diversificando-o substancialmente da versão do Rito Francês, no que concerne à interpretação das Viagens realizadas no decurso da cerimónia de Aumento de Salário.

Muito embora estas se tenham mantido inalteradas em número e, em instrumentos transportados, o sentido das mesmas foi substancialmente modificado.

Assim, as Viagens passaram a referir-se, sucessivamente, aos cinco Sentidos, às cinco Ordens de Arquitectura (Dórica – Jónica – Coríntia – Toscana – Compósita), às sete Artes Liberais (Gramática – Retórica – Lógica – Aritmética – Geometria – Musica – Astronomia), às duas (Publicado em freemason.pt) Esferas (Terrestre – Celeste), assumindo a última uma interpretação claramente deísta, na qual o Recipiendário, com base no Autoconhecimento e, no estudo dos vários domínios do Conhecimento Humano, descobre a unicidade da Entidade Divina.

O Ritual de 1829 introduziu, na decoração do Templo destinado à recepção no Segundo Grau, três Quadros Temáticos relativos à interpretação das primeiras três viagens, figurando estes suspensos nos Pilares, bem como duas Esferas (Terrestre e Celeste) dispostas no chão, entre o Quadro de Loja e o Oriente.

Daí a razão da substituição das Romãs pelas Esferas no Quadro de Loja-tipo do Grau de Companheiro, aparecendo a mesma referida no Catecismo de Jean-Marie Ragon, relativo a este Grau, no qual à pergunta:

P: “Porque é que as Esferas substituem sobre as Colunas as Romãs ?”

R: “Porque neste Grau cientifico, estas Esferas simbolizam a harmonia do Universo e designam o género de estudo ao qual o Companheiro se deve aplicar.”

Podemos pois concluir, que o Ritual de 1829 e, o Painel de Loja a ele associado configuram um afastamento claro do conteúdo temático do Grau de Companheiro do Rito Francês, introduzindo um sentido Deísta mais acentuado, uma vez que nos discursos relativos às viagens se encontra claramente plasmado que o conhecimento da Divindade se alcança pelo “espectáculo das maravilhas da natureza e com o recurso da inteligência”, dispensando assim qualquer tipo de revelação.

Estamos, pois, na fase Romântica da Maçonaria novecentista, no seu máximo apogeu, considerando, pessoalmente, que o Grau de Companheiro Escocês nasceu, realmente, em 1829, tendo em conta que foi aí que este se diferenciou, constituindo a matriz deste Ritual já o “esqueleto” sobre o qual assentaram todas as revisões de rituais subsequentes, até à actualidade.

Como é tradição no REAA, os elementos incorporados na interpretação das viagens (Sentidos, Ordens de Arquitectura, Artes Liberais, Esferas) deste Ritual, e que conferiram ao Grau a sua identidade própria, não são originais deste Rito.

Os mesmos podiam já ser encontrados anteriormente, na Maçonaria Anglo-Saxónica, nomeadamente nos livros “Ilustrations of Masonry”, de William Preston, publicado em 1772, e “Freemason’s Monitor”, de Thomas Smith Webb, com primeira edição de 1797, nos quais aparecem igualmente reportados ao Grau de Companheiro.

O Ritual de Companheiro, no REAA, manteve até à actualidade, a mesma estrutura de 1829, tendo contudo variado as interpretações das duas últimas viagens, da Estrela Flamejante, e da Letra “G”.

No final do século XIX o Rito sofreu uma forte influência positivista e laicisista, que conduziu a que no Ritual de 1880, do Supremo Conselho de França, a quarta viagem se passasse a reportar aos Grandes Filósofos (Sólon – Sócrates – Licurgo – Pitágoras – INRI), sendo a quinta viagem (Publicado em freemason.pt) uma Exaltação da Liberdade e, uma Glorificação do Trabalho. A Estrela Flamejante perdeu, nesta revisão, o carácter metafisico anterior, passando a ser um símbolo da Inteligência, associando-se a Letra “G” apenas à Geometria.

Esta corrente gerou uma contracorrente de sentido simbolista, que contou com o contributo, já no século XX, de Oswald Wirth e, de Jules Boucher.

Muito embora os Quadros de Loja de Companheiro deste período tenham mantido, essencialmente, os padrões da edição do “Telhador de Vuillaume” de 1830, devem-se precisamente a Oswald Wirth a introdução de algumas alterações de pormenor, que apareceram nesta época, tais como a substituição, na representação da Pedra Trabalhada, da Pedra Cubica Pontiaguda por um simples Cubo.

De acordo com este autor, a Pedra Cúbica Pontiaguda reportar-se-ia ao Grau de Mestre pois, “o Companheiro não tem de visar ao sobre-humano. Pertence-lhe realizar o Cubo puro e simples, ou a Pedra rectangularmente talhada, própria a ocupar o seu lugar no edifício social. Adaptar-nos exactamente à função que somos chamados a preencher no interesse geral, tal é a perfeição perfeitamente realizável à qual nós devemos aspirar”.

A partir da década de 50, do século XX, os Rituais dos Graus Simbólicos do REAA, e os respectivos modelos de Quadros de Loja foram revistos, no âmbito da Grande Loja de França, tendo vindo a acentuar-se algumas influências marcadamente Anglo-Saxónicas.

Tal evolução (ou involução, conforme as diferentes opiniões) deveu-se à vontade desta Obediência de ser reconhecida pela Grande Loja Unida de Inglaterra, o que motivou esta tentativa de tornar a prática ritualística dos Graus Simbólicos do REAA mais semelhante aos “workings” ingleses e, como tal, mais aceitável pelos Irmãos do outro lado do Canal da Mancha.

O modelo de Quadro de Loja proposto para o Segundo Grau reflecte, não só a evolução das interpretações das viagens e dos principais símbolos do Companheiro, como também uma alteração conceptual verificada neste período, no que concerne à localização das Lojas dos dois primeiros Graus, face ao Templo de Salomão.

Vários autores contemporâneos, tais como Alain Pozarnik, Claude Guérillot ou, mais proximamente, Jean-Claude Mondet, evidenciaram a existência de uma incoerência geográfica no pressuposto até então assumido, de que as Lojas de Aprendiz e de Companheiro, no REAA, se localizariam no interior do Templo de Salomão (no Hekal).

De facto, muito embora uma Loja Maçónica esteja orientada, à semelhança das Igrejas Cristãs, de Ocidente para Oriente, o Templo de Salomão tinha a orientação inversa, pelo que a Loja, para ter a sua disposição geográfica coerente com este aspecto, só pode estar localizada à entrada do Templo, ou seja no Oulam.

Este reposicionamento levantou a questão de se saber se seriam os Ritos Antigos, ou os Modernos, que assumiriam o posicionamento das duas Colunas (B e J) coerente com o descrito no Livro dos Reis, na medida em que se a localização da Loja for a mesma, apenas uma destas disposições estará conforme com as referências Bíblicas, tendo-se de assumir tratar-se a outra de um posicionamento convencionado.

Analisado o texto das Escrituras, nomeadamente o constante do Primeiro Livro dos Reis (7, 15-21) e (7, 38-39), conclui-se que a Coluna Jakin se encontrava à direita, e que a Coluna Boaz se encontrava à esquerda (21), depreendendo-se do posicionamento do Mar de Bronze, que se entende por direita o lado Sul do Templo (39).

Nestes termos, apenas a disposição de Colunas dos Ritos Antigos, com a Coluna J disposta no lado Sul, se apresenta coerente com a Bíblia, sendo este o entendimento actual, entre os simbolistas do REAA contemporâneos.

O Ritual de Referência da Grande Loja de França, de 1986, que serviu de inspiração ao modelo actual de Quadro de Loja desta Obediência, introduziu alterações no que concerne aos instrumentos transportados pelo Recipiendário, no decurso das viagens.

Assim, se na primeira viagem se mantêm o Malhete e o Cinzel, nas subsequentes o Aprendiz transportará, sucessivamente, a Régua e a Alavanca, o Fio de Prumo e o Nível, e o Esquadro, concluindo a Quinta Viagem com as mãos livres, tal como já era anteriormente praticado.

Figura 6 – Quadro de Loja de Companheiro, Grande Loge de France, 1968

As interpretações das três primeiras viagens, bem como da última, permanece a mesma, mas a Quarta Viagem passou a reportar-se aos Grandes Iniciados (Moisés – Pitágoras – Sócrates – Jesus – Koung-Fou-Tseu).

A Estrela Flamejante, neste Ritual, passou a representar, simultaneamente, o Supremo Arquitecto do Universo, e o Iniciado Perfeito, assumindo assim um sentido bivalente, de Transcendência e, de Imanência.

A cada uma das cinco pontas da Estrela foi atribuído um significado (Geometria-Gravitação-Geração-Génio-Gnose) sendo esta interpretação importada do Rito Francês, no qual entrou por via da Revisão Amiable (1887).

Todos estes factores conduziram a que tenha sido (Publicado em freemason.pt) elaborado um modelo de Quadro de Loja-Tipo associado a este Ritual, que é substancialmente diferente dos anteriores, e que permanece actualmente em utilização, na referida Obediência.

Este Painel pretende integrar graficamente, a disposição de Loja de Companheiro, os Símbolos do Grau, e o Percurso Iniciático que o mesmo configura. Assim:

  • O Quadro apresenta-se exteriormente delimitado por uma cercadura aberta no Ocidente, que representa a Loja, na qual o Aprendiz já entrou.
  • Sobre esta cercadura encontra-se representada uma Corda, aberta no Ocidente, e dotada de cinco Nós em Laço de Amor. Se a Corda se reveste da mesma interpretação já assumida no Primeiro Grau, o número de Nós reflecte a idade do Companheiro e, contrapõe-se aos doze nós da Corda do Painel de Aprendiz, passando-se assim do Macrocosmos para o Microcosmos, ou seja, do que está em cima para o que está em baixo.
  • Penetrando na cercadura, encontramos uma Escada que assenta sobre o Pavimento de Mosaico. É o percurso iniciático que se sobrepõe ao Binário, dominando-o e subjugando-o.
  • A Escada inicia-se por três degraus, alinhados verticalmente, seguidos de um degrau desfasado para a direita, e de novo degrau posicionado no alinhamento original. Trata-se de uma alusão clara à Marcha do Companheiro, representando o Quarto Degrau o seu “Pas de Côté”.
  • Ao subir esta Escada, e quando sai do seu alinhamento original, o Companheiro encontra a representação de uma espiga de trigo, numa clara referência à Palavra de Passe deste Grau, que lhe permite atravessar as Colunas e entrar no Templo.
  • No coroamento dos cinco degraus da Escada aparecem representados mais dois degraus, em traço interrompido, que inflectem para a esquerda. Os mesmos pretendem antever o acesso à Câmara do Meio e, que se concretizará no Grau subsequente. Trata-se de uma influência clara dos Quadros de Loja Anglo-Saxónicos, nos quais se encontra plasmado que o Companheiro recebe o seu salário na Câmara do Meio, localizada num andar superior existente do lado da Coluna B, ao qual se acede por uma Escada em espiral. Tal não é, contudo, compatível com a tradição do REAA, na qual os Companheiros recebem o seu salário junto à Coluna J.
  • As Colunas apresentam-se com a disposição Antiga, como é tradicional no REAA;
  • As Esferas que coroam as Colunas foram invertidas, neste Painel. Assim, a Esfera Celeste encima a Coluna B e, a Esfera Terrestre sobrepõe-se à Coluna J, para se apresentarem coerentes com os números de Nós das Cordas associadas aos dois primeiros Graus, identificando assim o Macrocosmos com o Grau de Aprendiz e, o Microcosmos com o Grau de Companheiro.
  • As Três Janelas figuram, neste Quadro, com distribuição idêntica à adoptada no Primeiro Grau, mas dotadas de grelhas mais abertas, porque o Companheiro já pode suportar uma iluminação mais intensa do que o Aprendiz.
  • O Painel contempla todos os instrumentos ligados à Construção que são transportados nas viagens, aparecendo o Malhete e o Cinzel junto à Coluna B, a Régua e Alavanca no topo da Escada, o Nível e o Fio de Prumo um pouco acima, e o Esquadro ainda mais elevado.
  • A Pedra Bruta desapareceu deste Painel, por ser entendido que a mesma se reportava ao Grau de Aprendiz, ideia esta já anteriormente defendida por Jules Boucher, no seu livro “La Symbolique Maçonnique”, de 1948.

Figura 7 – Quadro de Loja de Companheiro Rito Francês Groussier, Grande Orient de France, 2009

O mesmo sucedeu à Prancha de Traçar, considerada como símbolo do Terceiro Grau. Refira-se que este entendimento tinha antes sido criticado tanto por Oswald Wirth como por Jules Boucher, na medida em que se compete aos Mestres conceberem os planos, os Aprendizes e os Companheiros devem saber interpretá-los, para os poderem executar, e como tal não é desprovida de sentido a presença deste símbolo nos Quadros de Loja dos dois primeiros Graus.

  • A Pedra Trabalhada permanece, na sua forma Cúbica, em consonância com a posição anteriormente defendida por Oswald Wirth.
  • Num plano superior podemos encontrar as Três Grandes Luzes (Esquadro + Compasso + Livro da Lei), sobre o qual se sobrepõem, ainda as duas Luminárias (Sol e Lua).
  • Ao centro, e encimando tudo, encontra-se representado o símbolo-chave do Grau, a Estrela Flamejante que contem a Letra “G”, constituindo a sua descoberta o objectivo desta Via traçada pelo Quadro de Loja.

Fruto da diversidade simbólica existente entre os vários Ritos Maçónicos, em outros sistemas, os Painéis de Loja assumem aspectos substancialmente distintos dos considerados no REAA.

No Rito Francês Groussier, muito embora o Quadro de Loja não seja um elemento de decoração do Templo indispensável, ou sequer recomendado, o Ritual de Referência GOdF 6009 inclui um modelo tipo, a ser seguido pelas Oficinas, pelo menos no seu trabalho simbólico.

Este é quase idêntico ao utilizado no Primeiro Grau, diferindo deste apenas no numero de degraus representado, que passa de três a cinco, e na substituição do Delta Radiante pela Estrela Flamejante.

Neste Painel o número de Nós da Corda permanece doze, em alusão à universalidade da Cadeia de União da Maçonaria, e a Pedra Trabalhada continua a ser representada na sua forma Cúbica Pontiaguda.

Tratando-se o Rito Francês de um sistema no qual a construção assume um papel central, a Pedra Cúbica Pontiaguda é entendida como o fecho da abóbada da edificação do Templo, ou seja a última obra que o Companheiro é chamado a executar antes de aceder à Mestria.

Destaca-se, ainda, que este Painel não é orientado, uma vez que neste Rito não existe sacralização ritual do espaço iniciático, sendo apenas convencionado o tempo mítico no qual decorrem os trabalhos.

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