Figura 1: “Catéchisme des franc-maçons “ de Leonard Gabanon, 1744
A historiografia dos Rituais Maçónicos tem sido feita, na maior parte dos casos, fundamentalmente com base na correlação dos textos das sucessivas revisões, produzidas ao longo de três séculos de prática, com as correntes de ideias politico-filosóficas suas contemporâneas.
Se é certo que esta linha de raciocínio se tem revelado profícua, resultando hoje claro que alterações de paradigmas político-sociais, ou obedienciais, suscitaram sempre revisões de rituais, não é menos verdade que um ritual maçónico tem sempre, para além de uma componente cultural, também uma vertente iniciática.
Muito embora a primeira destas facetas reflicta sempre o contexto sociológico-filosófico-politico da época, a segunda, que integra os Arcanos do Ritual, remonta, em geral, a uma tradição anterior, dependendo essencialmente da compreensão, ou da simples percepção de um corpus esotérico, que se apresenta também com carácter evolutivo, ao longo da cadeia iniciática.
Linhas de investigação recentes, mais centradas em alguns elementos da História Material da Maçonaria, tais como os Quadros de Loja, ou os Paramentos, têm-se revelado de extrema utilidade na compreensão de rituais dos séculos XVIII e XIX, sublinhando aspectos à partida não evidentes, apenas com base na leitura dos textos.
Um exemplo flagrante desta situação sobressai quando se estuda a História e, a Simbólica, do Quadro de Loja de Companheiro, no REAA.
Neste caso, é notória a existência de uma ligação directa entre a evolução das representações iconográficas, e as sucessivas revisões dos rituais, reflexo (Publicado em freemason.pt) das subsequentes alterações verificadas, quanto ao entendimento do conteúdo simbólico deste Grau.
Este tem vindo, progressivamente, a diferenciar-se do Primeiro Grau, bem como a incorporar novos símbolos, em consequência de diversos sincretismos, traduzindo-se todo este processo num grande enriquecimento do corpus do Companheiro Escocês, e do seu Quadro de Loja.
Todavia, no que concerne ao aparecimento deste elemento de decoração do Templo, tudo começou no século XVIII.
Muito embora existam evidencias da sua utilização em Inglaterra, na tradição da Grande Loja dos Modernos, é na Maçonaria Continental oitocentista que se encontra a verdadeira génese do Quadro de Loja, na sua concepção actual. Assim:
- Em 1744 o “Catéchisme des franc-maçons“ de Leonard Gabanon (pseudónimo de Louis Travenol) para além de incluir reproduções de um “Plano da Loja para a recepção de um Aprendiz-Companheiro” e, de um “Plano de Loja para a recepção de um Mestre” apresenta uma série de gravuras, que ilustram a realização das cerimónias de Iniciação e, de Exaltação.
- Em 1745 a exposição “L’Ordre des franc-maçons trahi et le secret des mopses révélé“, reproduz igualmente modelos de Quadros de Loja para os mesmos graus.
Figura 2 – Quadro de Loja para a recepção de um Aprendiz-Companheiro “L’Ordre des franc-maçons trahi et le secret des mopses révélé“, 1745
De toda esta informação e, em especial, das gravuras de Léonard Gabanon, ressalta que a importância do Quadro de Loja era, à época, marcante na realização das cerimónias maçónicas, utilizando-se o mesmo modelo como suporte dos trabalhos relativos aos dois primeiros graus.
A tal não era alheio o facto de, anteriormente a 1780, na maior parte das Lojas os Graus de Aprendiz e de Companheiro serem conferidos na mesma Sessão, exaltando-se o novo Irmão poucas semanas depois, o que demonstra o carácter pós-operativo mas ainda não iniciático, dos primeiros decénios da Maçonaria Continental.
Este aspecto encontra-se reflectido nos “Rituais do Marquês de Gages”, manuscrito datado de 1763, nos quais a recepção no segundo Grau se efectuava no seguimento da Iniciação, e se resumia, fundamentalmente, à realização de mais duas viagens em torno da Loja, no fim das quais o Recipiendário entrava no Templo de Salomão, transpondo os sete degraus representados no Quadro de Loja, através dos Passos Rituais de Companheiro.
Estes consistiam, partindo de Ocidente, num passo lateral para o Meio-Dia, seguido de novo passo lateral para o Setentrião, terminando a Oriente através de um terceiro passo, que recolocava o Recipiendário de regresso ao eixo central original, definido pelos passos de Aprendiz, completando assim um périplo pelos quatro pontos cardeais.
Em alguns rituais encontramos referências à conclusão do primeiro passo no 3º degrau, e do segundo passo no 5º degrau, sendo assim os sete degraus da “Escada Misteriosa” subidos por 3, 5 e, 7. 5
Nos últimos dois decénios do século XVIII, com a estruturação do Regime Escocês Rectificado, e do Rito Francês, o Grau de Companheiro foi ganhando corpo ritual.
Figura 3 – Recepção de um Companheiro – Gravura dos “Fundos Georg Kloss”, 1745
Tanto nos “Rituais do Duque de Chartres”, de 1784, como no “Régulateur du Maçon”, fixado em 1786 e publicado em 1801, a recepção no segundo Grau integra já a realização de cinco viagens, no fim das quais o Recipiendário subia cinco degraus (sobre o Tapete (Publicado em freemason.pt) de Loja) para aceder ao Templo, contemplando então a Estrela Flamejante e, a letra “G”, que significava, simultaneamente, Geometria e, a inicial do Supremo Arquitecto do Universo.
Na óptica do final do século XVIII temos, pois, uma estruturação simbólica muito vinculada ao mito da construção do Templo de Salomão, na qual o Companheiro depois de ter acedido a um plano superior, através do conhecimento e, da prática das virtudes, antevia um nível sobre-humano.
Destaca-se, nesta evolução do Grau, o papel estruturante que o número cinco assume, materializado no número de viagens realizadas, de degraus transpostos e, de pontas da Estrela Flamejante. Tal reflecte já, para o Companheiro oitocentista, uma perspectiva centrada no Homem, e no seu aperfeiçoamento moral e intelectual.
Esta evolução dos rituais pressupõe, naturalmente, uma diferenciação entre os Painéis de Loja dos dois primeiros Graus, não sendo pois de estranhar que a mesma já se encontre plasmada na colectânea de Rituais denominada “La Maçonnerie des Hommes”, de 1785, na qual podemos encontrar um Quadro distinto para a Loja de Companheiro, diferindo apenas do de Aprendiz, pela inclusão da Estrela Flamejante, posicionada centralmente, a Oriente, entre as duas Luminárias (Sol e Lua).
Começa igualmente a sobressair, neste período, uma preocupação com a normalização dos Quadros de Loja, encontrando-se descritos tanto nos Rituais de Referência fundadores do RER (de 1782), como nos do Rito Francês (de 1786), os elementos simbólicos a considerar no Painel de cada Grau.
É, contudo, com o advento dos Graus Simbólicos do REAA, em 1804, que aparecem as primeiras representações gráficas normalizadoras dos modelos de Quadro de Loja a adoptar.
Foram publicados em vários Telhadores do Escocismo, dos quais destacamos o de Vuillaume, com edições de 1820 e 1830, e o de Teissier, editado em 1856, modelos-tipo de Quadro de Loja, distintos para cada um dos Graus Simbólicos do Rito, sendo alguns deles ainda utilizados na actualidade.
Se analisarmos os primeiros Rituais Escoceses relativos ao 2º Grau, escritos em 1804 e publicados, supostamente em 1820, numa compilação denominada de “Guide des Maçons Écossais”, poderemos constatar que a cerimónia de Aumento de Salário é, em quase tudo, idêntica à praticada no Rito Francês, integrando as mesmas cinco viagens consideradas no “Régulateur”, com idênticas interpretações, centradas nos cinco anos de Aprendizagem, e nas quais o Recipiendário transporta, em ambos os casos, os mesmos instrumentos (Malhete e Cinzel – Régua e Compasso – Régua e Alavanca – Régua e Esquadro – Mãos Livres).
Para além de algumas diferenças de pormenor, verifica-se contudo, a existência de uma “nuance” importante.
Figura 4 – Quadro de Loja de Companheiro, “Tuilleur de Vuillaume”, 1820
Enquanto que o Companheiro Francês acede ao Templo e descobre a Estrela Flamejante e a letra “G” após ter subido os cinco degraus, o Companheiro Escocês executa o seu ultimo trabalho de Aprendiz, sobre a Pedra Bruta, sendo-lhe depois mostrados, no Oriente, os mesmos símbolos, com idênticas interpretações.
Esta diferença espelha uma diferença conceptual existente, à época, nos dois Ritos, quanto à localização das Lojas de Aprendiz e, de Companheiro.
Assim, enquanto que no Rito Francês as mesmas se localizavam à Porta do Templo de Salomão, no REAA as Lojas dos dois primeiros Graus estavam situadas no seu interior, situação esta que justificaria a inversão da posição das Colunas B e J, verificada entre os dois Ritos, que seriam observadas segundo perspectivas diferentes, respeitando-se, em ambos os casos, as localizações definidas no “Livro dos Reis”, da Bíblia.
O Companheiro Escocês não podia, pois, aceder ao Templo no culminar da cerimónia de recepção, tal como sucedia ao Companheiro Francês, porque já se encontrava no seu interior, desde o 1º Grau.
Da análise dos primeiros Quadros de Companheiro do REAA, em especial do que consta da gravura publicada na edição de 1820 do “Tuilleur de Vuillaume”, constata-se que muito embora o Painel reflicta já uma sistematização de distribuição dos símbolos mais elaborada do que (Publicado em freemason.pt) a verificada nos Quadros de Aprendiz-Companheiro do século anterior, são ainda pouco diferenciados os Tapetes relativos aos dois primeiros Graus, o que não deixa de ser também um reflexo da indiferenciação entre os Rituais de 2º Grau Escoceses e Franceses.
A geometria dos Quadros de Loja convergiu, nesta época, para uma forma regular, materializada por um rectângulo pitagórico, cujos lados se relacionam dimensionalmente na proporção de três para quatro.
Por vontade de precisão técnica, decorrente do desenvolvimento do pensamento científico, os pontos cardeais iniciáticos (Oriente-Ocidente-Meio-Dia-Setentrião), utilizados no século anterior, foram correntemente substituídos pelos pontos cardeais profanos (Norte-Sul-Este-Oeste).
O espaço mítico retratado no Quadro desenvolve-se segundo três planos, um primeiro inferior ou terrestre, revestido pelo Pavimento de Mosaico, a partir do qual, através de um lanço de escadas, se acede à Porta do Templo, localizada num plano intermédio mais elevado, ao qual se sobrepõe um plano superior constituído pela Abóbada Celeste.
Nestes primeiros Quadros de Loja Escoceses de Companheiro o número de degraus considerado é, ainda, de sete, à semelhança do século XVIII, ou já de cinco, diferenciando-se, assim, neste aspecto, do Quadro de Loja de Aprendiz do mesmo Rito, no qual o número de degraus é sempre de três.
A Porta do Templo de Salomão, em alguns painéis fechada, em outros aberta, apresenta-se ladeada pelas duas colunas. Estas, nos Quadros de Loja do REAA, encontram-se já dispostas segundo o posicionamento Antigo (J à direita – B à esquerda).
Tal como no Primeiro Grau, as colunas aparecem encimadas por três Romãs e, o frontão do Templo, que se sobrepõe à porta, normalmente é espiritualizado através da ostentação de um Delta Radiante.
Não encontramos mais, neste período, representações de portas a Oriente e, no Meio-Dia, que figuravam nos Painéis de Aprendiz-Companheiro do século anterior, mantendo-se a presença das três janelas, nas suas formas e disposições habituais (Ocidente, Meio-Dia, Oriente).
Para além das Jóias Móveis (Esquadro, Nível e Perpendicular), Imóveis (Pedra Bruta, Pedra Trabalhada e, Prancha de Traçar), do Malhete, do Cinzel, da Régua, da Alavanca e, do Compasso, não subsistem outras alfaias anteriormente utilizadas, tais como a Trolha, que não se encontra presente nos Graus Simbólicos do REAA.
Figura 5 – Quadro de Loja de Companheiro, “Tuilleur de Vuillaume”, 1830
Todos estes símbolos, derivados dos utensílios empregues na construção, aparecem igualmente distribuídos nos Quadros de Aprendiz e de Companheiro, muito embora a maior parte deles se reporte ao Ritual do 2º Grau.
A Pedra Trabalhada é, nesta época, representada na sua forma cúbica pontiaguda, sendo entendida como o fecho da Abóbada do Templo, que o Companheiro deve executar, e já não tanto como “a Pedra na qual os Companheiros afiam as suas ferramentas”, como é frequentemente referido nos Catecismos e Rituais do século anterior.
O Sol e a Lua aparecem na parte superior do Painel, estabilizando-se o primeiro à direita e, a segunda à esquerda.
Entre os dois, como já se podia encontrar nos primeiros Quadros de Companheiro individualizados para este Grau, aparece em posição destacada, como símbolo principal, a Estrela Flamejante, na qual se encontra circunscrita a Letra “G”.
A corda passou a simbolizar a Cadeia de União, circundando todo o painel, com excepção do Ocidente, no qual permanece aberta, para ilustrar que a Maçonaria se encontra sempre receptiva a receber novos obreiros. No princípio do século XIX o número de laços de Amor utilizado é o de nove, primeiro numero impar que transcende o número de sete nós utilizado no Painel do Grau anterior.
Sendo sete o número simbólico da conclusão, a corda representada no Quadro de Companheiro pretende transmitir que neste Grau se ultrapassa ainda esse nível, acedendo-se, pela construção do Templo, à Transcendência, representada pela Estrela Flamejante.
Tal ideia encontra-se igualmente presente no simbolismo da Pirâmide que encima o Cubo da Pedra Trabalhada, representando o seu vértice superior a Quintessência, sobrejacente ao quaternário dos vértices do Quadrado que constitui a sua base, numa ilustração clara de que o Espirito se sobrepõe à Matéria.
No “Tuilleur de Vuillaume” publicado em 1830, constatamos a introdução de algumas alterações, relativamente ao Quadro-Tipo de Companheiro incluído na primeira edição da mesma obra (de 1820).
Públicação feita no dia 24/06/2022 no site freemason.pt