Introdução
Vivemos tempos em que muitos daqueles que ocupam cargos, exercem missões ou conduzem tarefas em
espaços religiosos, maçônicos ou associativos parecem acreditar que a frieza, a apatia e o tom
monocórdico são virtudes espirituais. Confunde-se humildade com apagamento, serenidade com desânimo
e respeito com ausência de entusiasmo.
Neste trabalho, propomos uma reflexão sobre como essa postura pode estar contribuindo — e muito —
para o esvaziamento de nossas atividades e para a perda de relevância e motivação nos ambientes que
deveriam ser fontes de vida, calor e transformação.
- A Confusão entre Virtudes e Desinteresse
Existe uma tendência preocupante de associar a espiritualidade ou a seriedade de uma missão à
ausência de emoção. Em palestras, rituais e reuniões, é comum vermos expositores falarem num tom
excessivamente baixo, sem brilho nos olhos, sem envolvimento real com o que dizem. Supõe-se que
isso seja um sinal de reverência, mas o efeito prático é a dispersão da atenção, a perda de conexão
com o público e, pior, o esvaziamento do propósito.
A humildade verdadeira não apaga o indivíduo, mas o coloca a serviço. E servir exige presença,
entrega e, sim, energia. - A Energia como Instrumento de Transmissão
Todo ensinamento precisa de forma e de força. Não basta que o conteúdo seja correto, que as
palavras estejam bem escolhidas. A forma como algo é dito é parte do que se comunica. Um
ensinamento entregue de forma fria e desinteressada carrega, ainda que inconscientemente, a
mensagem de que aquilo não é importante.
No plano maçônico, isso fere diretamente um dos pilares do trabalho simbólico:
fazer com zelo e com arte. No plano religioso, fere o mandamento do amor — pois
quem ama se entrega com intensidade. A paixão não contradiz a humildade: ela a revela.
- Diagnóstico da Queda de Engajamento
É comum vermos dirigentes lamentando a queda na frequência, no comprometimento, na
produtividade dos irmãos ou dos fiéis. Mas raramente se olha para dentro: será que as lideranças
ainda comunicam vida? Será que não estão apenas cumprindo tabela? Um cargo ocupado sem alma gera
reuniões sem alma. E reuniões sem alma afastam os que ainda carregam alguma chama.
Muitas vezes, os que criticam a frieza dos outros não percebem que a frieza começa exatamente onde
deveriam acender a luz. - A Responsabilidade de Quem Ocupa um Cargo
Ter um cargo não é apenas ter uma função burocrática: é ter uma missão simbólica. Ao subir à
tribuna ou ao altar, não representamos apenas a nós mesmos. Representamos uma causa, uma tradição,
um ideal. Não se trata de atuar teatralmente, mas de estar inteiro na tarefa, mesmo que o perfil do
envolvido seja diferente do que se deve apresentar ou abster-se da incumbência.
Alguém que fala com entusiasmo — mesmo sem grandes recursos retóricos — é capaz de tocar corações e
mover vontades. Alguém que fala sem alma, por mais erudito que seja, apaga a luz ao redor.
4.1. Sobre perfis fechados e a disposição para mudar
É verdade que cada pessoa tem seu temperamento. Alguns são mais expansivos, outros mais
introspectivos. No entanto, quando alguém assume um cargo de direção, ou se propõe a transmitir uma
palestra, precisa compreender que o seu papel não é apenas ser quem é, mas ser ponte para o outro.
Não se trata de negar a própria natureza, mas de superá-la em favor do bem comum.
Se o público necessita de entusiasmo, clareza e envolvimento para compreender e se manter engajado,
então é dever do palestrante — ou dirigente — adaptar-se, dentro do possível, para que a mensagem
seja eficaz. E se isso não for possível, por limitação pessoal ou falta de interesse em evoluir
nesse aspecto, talvez o mais honesto e construtivo seja não se colocar à frente de algo que exige
esse tipo de entrega.
A rigidez no estilo pessoal, quando compromete a missão coletiva, deixa de ser autenticidade e se
torna omissão disfarçada de integridade. O verdadeiro servidor não diz: “Eu sou assim mesmo.” Ele
diz: “Como posso servir melhor?”
- O Chamado à Autenticidade e à Presença
A solução não está em discursos forçados, mas em retomar a chama interior. É preciso resgatar o
porquê de se fazer o que se faz. Quando há propósito, há brilho. Quando há sentido, há energia. A
linguagem da alma é viva, e ela se comunica mesmo em silêncio — mas nunca na frieza.
Precisamos lembrar que, nas palavras de Antoine de Saint-Exupéry, “o essencial é invisível aos
olhos” — mas o essencial vibra. E só vibra quando há verdade, entrega e sentimento.
Conclusão
Se queremos revitalizar nossas instituições, precisamos deixar de cumprir funções e passar a viver
os cargos. Se queremos atrair, precisamos primeiro irradiar. A humildade não está em ser apagado,
mas em ser chama que aquece sem queimar. E essa chama precisa urgentemente ser reacendida nos
palcos, nas colunas e nos altares
Milton de Souza