Entre a humildade e a indiferença

Introdução
Vivemos tempos em que muitos daqueles que ocupam cargos, exercem missões ou conduzem tarefas em
espaços religiosos, maçônicos ou associativos parecem acreditar que a frieza, a apatia e o tom
monocórdico são virtudes espirituais. Confunde-se humildade com apagamento, serenidade com desânimo
e respeito com ausência de entusiasmo.
Neste trabalho, propomos uma reflexão sobre como essa postura pode estar contribuindo — e muito —
para o esvaziamento de nossas atividades e para a perda de relevância e motivação nos ambientes que
deveriam ser fontes de vida, calor e transformação.

  1. A Confusão entre Virtudes e Desinteresse
    Existe uma tendência preocupante de associar a espiritualidade ou a seriedade de uma missão à
    ausência de emoção. Em palestras, rituais e reuniões, é comum vermos expositores falarem num tom
    excessivamente baixo, sem brilho nos olhos, sem envolvimento real com o que dizem. Supõe-se que
    isso seja um sinal de reverência, mas o efeito prático é a dispersão da atenção, a perda de conexão
    com o público e, pior, o esvaziamento do propósito.
    A humildade verdadeira não apaga o indivíduo, mas o coloca a serviço. E servir exige presença,
    entrega e, sim, energia.
  2. A Energia como Instrumento de Transmissão
    Todo ensinamento precisa de forma e de força. Não basta que o conteúdo seja correto, que as
    palavras estejam bem escolhidas. A forma como algo é dito é parte do que se comunica. Um
    ensinamento entregue de forma fria e desinteressada carrega, ainda que inconscientemente, a
    mensagem de que aquilo não é importante.
    No plano maçônico, isso fere diretamente um dos pilares do trabalho simbólico:
    fazer com zelo e com arte. No plano religioso, fere o mandamento do amor — pois

quem ama se entrega com intensidade. A paixão não contradiz a humildade: ela a revela.

  1. Diagnóstico da Queda de Engajamento
    É comum vermos dirigentes lamentando a queda na frequência, no comprometimento, na
    produtividade dos irmãos ou dos fiéis. Mas raramente se olha para dentro: será que as lideranças
    ainda comunicam vida? Será que não estão apenas cumprindo tabela? Um cargo ocupado sem alma gera
    reuniões sem alma. E reuniões sem alma afastam os que ainda carregam alguma chama.
    Muitas vezes, os que criticam a frieza dos outros não percebem que a frieza começa exatamente onde
    deveriam acender a luz.
  2. A Responsabilidade de Quem Ocupa um Cargo
    Ter um cargo não é apenas ter uma função burocrática: é ter uma missão simbólica. Ao subir à
    tribuna ou ao altar, não representamos apenas a nós mesmos. Representamos uma causa, uma tradição,
    um ideal. Não se trata de atuar teatralmente, mas de estar inteiro na tarefa, mesmo que o perfil do
    envolvido seja diferente do que se deve apresentar ou abster-se da incumbência.
    Alguém que fala com entusiasmo — mesmo sem grandes recursos retóricos — é capaz de tocar corações e
    mover vontades. Alguém que fala sem alma, por mais erudito que seja, apaga a luz ao redor.
    4.1. Sobre perfis fechados e a disposição para mudar
    É verdade que cada pessoa tem seu temperamento. Alguns são mais expansivos, outros mais
    introspectivos. No entanto, quando alguém assume um cargo de direção, ou se propõe a transmitir uma
    palestra, precisa compreender que o seu papel não é apenas ser quem é, mas ser ponte para o outro.
    Não se trata de negar a própria natureza, mas de superá-la em favor do bem comum.
    Se o público necessita de entusiasmo, clareza e envolvimento para compreender e se manter engajado,
    então é dever do palestrante — ou dirigente — adaptar-se, dentro do possível, para que a mensagem
    seja eficaz. E se isso não for possível, por limitação pessoal ou falta de interesse em evoluir
    nesse aspecto, talvez o mais honesto e construtivo seja não se colocar à frente de algo que exige
    esse tipo de entrega.

A rigidez no estilo pessoal, quando compromete a missão coletiva, deixa de ser autenticidade e se
torna omissão disfarçada de integridade. O verdadeiro servidor não diz: “Eu sou assim mesmo.” Ele
diz: “Como posso servir melhor?”

  1. O Chamado à Autenticidade e à Presença
    A solução não está em discursos forçados, mas em retomar a chama interior. É preciso resgatar o
    porquê de se fazer o que se faz. Quando há propósito, há brilho. Quando há sentido, há energia. A
    linguagem da alma é viva, e ela se comunica mesmo em silêncio — mas nunca na frieza.
    Precisamos lembrar que, nas palavras de Antoine de Saint-Exupéry, “o essencial é invisível aos
    olhos” — mas o essencial vibra. E só vibra quando há verdade, entrega e sentimento.
    Conclusão
    Se queremos revitalizar nossas instituições, precisamos deixar de cumprir funções e passar a viver
    os cargos. Se queremos atrair, precisamos primeiro irradiar. A humildade não está em ser apagado,
    mas em ser chama que aquece sem queimar. E essa chama precisa urgentemente ser reacendida nos
    palcos, nas colunas e nos altares
    Milton de Souza
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